segunda-feira, 1 de junho de 2009

O último poeta-bartender


Esse post traz vida a esse miserável recôncavo internético, após quase 2 meses do mais completo abandono. A culpa (pelo retorno) é toda do Sidão, um dos melhores comensais que se pode conseguir gastando menos de dez reais em uma noite.


Trata-se de uma poesia. Despretensiosa, gostosa, rápida, efêmra, humilde....


"O último poeta-bartender"

Eu assisto aos errantes
Beijando os drinques que preparo
Suas almas tresloucando
com licores que chacoalho

E gozo o néctar que surge
Do rodopiar da bailarina
Que envenena todo o sangue,
e vai curando, qual morfina

Que se revela enfermeira
Mas apresenta-se assassina
e disfarça-se -- a mais turva!
entre a água cristalina

e dança...mas

Minhas receitas e tua sede
ainda erram a simbiose
ainda prendem-se às regras
como sob uma hipnose

Se lhes falta embriaguez,
Porque não mais uma dose?

Minha conta nunca é justa;
Teus pedidos, meio incertos
Mas a noite está no início
E não só álcool é o que oferto

Te entrego a tua essência
(traz teu copo pra mais perto...)
Desamarra o teu passado;
Que o agora está desperto!

Beba.
Beba.
Beba!
O bar está...aberto!

quinta-feira, 9 de abril de 2009

KISS – Alive 35 Tour




Prelúdio
Fui ao show com poucas expectativas. Não compreendia os motivos de eles manterem as máscaras após a saída dos membros originais (Peter + Ace), nem os motivos de insistirem na releitura do passado, em vez de retomarem o ótimo trabalho iniciado em Revenge e levado às últimas consequências em Carnival of Souls. Eu acreditava que iria assistir um eco, um cover deles mesmos, uma máquina de caçar níqueis do rock and roll. Fui porque sou fã de carteirinha. Mas a cada minuto que passava (das longas 12 horas entre fila e espera dentro da arena) crescia uma ansiedade mais otimista. Afinal de contas era o Kiss...

Abertura
O Dr Sin decepcionou. Os caras são fãs declarados do Kiss, então não custava montar um set-list de músicas mais voltadas ao hardrock do seu início de carreira, quando a influência dos mascarados era muito mais nítida. Em vez disso desfilaram metais cansativos. Exceção para a segunda música (Emotional Catastrophe) e para a penúltima (Miracles) – duas obras primas.
Aí fecharam com a terrivel “Futebol, mulher e rock and roll”. Uma música horrível, com uma letra miseravelmente machista e infantil (“eta, eta, eta brasileiro quer...”). Deu vergonha... Se bem que as letras nunca foram o forte da banda...

Os caras só se safaram porque entre uma música e outra insistiam em pregar uma paixão infinita pelo Kiss. Pelo menos com isso conseguiram ser melhor recebidos pelo público do que o (desgraçadamente ruim) Hamstein, em 1999.

O show
Acabada a apresentação da banda de abertura preparei-me para mais algumas horinhas de canseira – o que surpreendentemente não aconteceu. O espetáculo começou durante os próprios preparativos: os roadies retiravam os panos que até então escondiam os amplificadores e os adereços de palco do Kiss ao som da (bestialmente linda) Won´t get Fooled Again, do The Who. E o riff poderoso do final da música foi minuciosamente orquestrado com a cortina sendo estendida à nossa frente. Uma cortina negra, com o símbolo do Kiss prateado. Os telões foram ligados. Uma pequena luz vermelha no palco denunciava levemente a silhueta dos deuses do rock pisando no palco. Veio o tom grave do baixo, e então a voz mais esperada por todos na noite: “All right São Paulo! (...)” – o coração veio à boca e a emoção correu solta. Trinta e oito mil pessoas gritavam, enlouquecidas. Eles estavam lá.

O que se seguiu foi um set-list simplesmente impecável. Uma reprodução quase fiel do excelente Alive! de 1975 (que reúne os clássicos dos 3 primeiros álbuns da banda) e um encore com seis musicas de épocas distintas. Claro que com 35 anos de estrada existem muito mais clássicos do que um show pode suportar, e quem é fã realmente não teve o que reclamar da seleção.

Quanto à banda, os detaques foram, indiscutivelmente, aqueles que eram a causa do meu nariz torcido: Tommy Thayer provou definitivamente que tem uma postura digna de assumir a posição que já foi de Ace Fhreley e de Bruce Kullick. Interpretou os solos clássicos de forma espetacular, manteve uma postura de Guitar God digna da banda da qual faz parte e ganhou a simpatia do público.

Eric Singer imprimiu sua força descomunal à bateria, fazendo muito mais do que imitar Peter Criss (que já foi tarde, diga-se de passagem). Sua “marca” fica evidente em músicas como Lick it Up e Detroit Rock City, conferindo muito mais peso e energia às músicas e lembrando muito o estilo de apresentação que a banda tinha em meados dos anos 90, na primeira ocasião em que ocupou as baquetas do Kiss, época do terceiro Alive.

Paul continua o mesmo show-man, interagindo o tempo todo com as câmeras e com o púbico, brincando com a voz e segurando sua guitarra como ninguém faz no mundo do rock! Gene fez seu papel –as caras de mau, o olhar demoníaco e tudo o mais. Mas parecia menos à vontade do que em 1999, verdade seja dita. E que os chefes fundadores da banda foram levemente apagados pelos “novos” membros, foram...

Talvez minha única reclamação seja quanto aos solos de guitarra e bateria, que continuam cada vez mais chatos após 35 anos. Poderiam muito bem substituir os dois pela apresentação de Car Jam, do álbum Revenge.



Além da música
Verdade que foi um show perfeito para os fãs. Mas também seria para qualquer um – mesmo para alguém que nunca tenha ouvido uma música sequer da banda. Afinal de contas, um show do Kiss é um espetáculo como poucos no planeta.
Um baixista-demônio que cospe fogo, vomita sangue e voa para cantar para sua platéia em um pedastal acima dos holofotes; uma bateria que flutua, uma guitarra que dispara mísseis e um front-man que atravesse a arena em um teleférico 2 metros acima de seu público para cantar em meio à ele. Alguma banda faz parecido? Não é à toa que as 38 mil pessoas respondiam a cada comando, viesse ele do Paul, Gene, Eric ou Thommy...

A magia
Lá pela quarta ou quinta música (quando o empurra-empurra resolveu acalmar) olhei para o palco e pensei no meu aniversário. Dentro de dois dias completaria meus 30 anos. E eu estava diante de uma banda da qual sou fã desde que comecei a gostar de música, sem conseguir lembrar de qualquer época de minha vida em que eles não estivessem presentes. Paixões, dores-de-cotovelo, festas, ressacas...grande parte da trilha sonora de toda a minha vida estava ali, ao vivo, a poucos metros. O choro foi inevitável, e a emoção escorreu livre, líquida, rejuvenescendo o mesmo rosto que ostentava um sorriso rasgado de orelha à orelha e que acompanhava cada frase, cada refrão.

A magia naquela noite tonou-se palpável, tomando forma nas bizarrices que apenas um show de rock pode produzir: quando me dei conta estava abraçado, pulando e cantando junto a ilustres desconhecidos. Estranhos, suados, loucos, fascinados, unidos apenas pela música e pela vibração inexplicável do momento. Paz...


Kiss Forever
Agora eu entendo o sentido das máscaras. Elas guardam mais que os personagens criados pelos músicos: guardam também sua juventude. E ver Paul e Gene no palco hoje não é diferente de vê-los em 1975. Algumas bandas perdem-se no caminho, outras envelhecem sabiamente. O Kiss resolveu ser eternamente jovem.

E quanto à minha (antiga) queixa de insistirem em reviver o passado...bom, quem chegou no Anhembi com a mesma cisma agora compreende, assim como eu. Milhões de pedaços de papel picado voando, luzes ofuscantes e explosões magníficas ao som de Rock and Roll All Nite nos faz pensar: “wow, THAT´S whats rock and roll is about...”.

Assim, em inglês mesmo, sem tradução à altura.

Thank you, Kiss.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Escrever

O maior erro de quem pretende começar a escrever é acreditar demasiadamente na leitura: ler é imprescindível, mas escrever é essencial.

Aprender a escrever apenas lendo é como aprender a dirigir só sentando no banco do passageiro, observando o motorista.

terça-feira, 31 de março de 2009

Che, o argentino



Ainda nos soa incrível que um cineasta do porte de Steven Soderbergh (já premiado pela academia como melhor diretor pelo ótimo trabalho anterior também com Benício Del Toro, Traffic) possa produzir uma obra sobre a revolução cubana tão aberta e imparcial como Che, o Argentino. Alguns anos atrás isso seria talvez inviável sob o auge do reinado de terror de Mr. Bush.

Longe de retratá-lo como um Rambo latino-americano (o que favoreceria um possível e superficial filme de ação pautado nos conflitos de Sierra Maestra) ou de mitificar uma imagem cristã estapafúrdia de liderança popular, Soderbergh e Benício criam um retrato único e superficial do argentino. Vemos Ernesto Guevara como alguém que decide se aliar a Fidel não por ser naturalmente inclinado à violência, mas por amor e ódio. O primeiro, aos camponeses oprimidos pela cruel política econômica norte-americana imposta a toda a América Latina. O segundo, pelo imperialismo dos Estados Unidos que patrocina a opressão do governo ditatorial de Fulgêncio Batista.

Soderbergh (e Benício, que também é co-produtor) deixam claro que não pretendem “compreender” a mente de Che. Assim, o personagem é retratado sempre de forma distante (apesar de presente em quase todas as cenas) e humanizado: vemos um Che asmático com dificuldades em acompanhar seus guerrilheiros, e sensivelmente mais violento e menos carismático que seu amigo Fidel - existe uma cena em que Che comanda a execução de dois desertores de forma fria e impiedosa, que por si já justifica e consagra sua imagem de líder militar respeitado e temido. Mas não há maquineísmo - Che não é nenhum santo milagreiro, tão pouco o Belzebu que pinta a extrema direita política até hoje (alguém aí pensou na revista Veja?)

Alternando a narrativa entre basicamente 3 períodos históricos sem preocupar-se em criar uma cronologia ou uma razão óbvia para essas alternâncias, o filme privilegia o aspecto de documentário que assume: vemos como o médico Ernesto conheceu o militante Fidel em um jantar com amigos – e seus planos iniciais sobre a revolução; os conflitos armados em Sierra Maestra culminando com a tomada do poder; e a participação marcante do personagem como ministro das finanças de Cuba em uma conferência da ONU.

Essa primeira parte do projeto retrata nitidamente a ascensão de Che, desde o médico idealista até a figura política notória e destemida (destaque para uma deliciosa cena onde o ministro Che provoca o senador McCarthy em uma festa, agradecendo-o em nome de toda a revolução pela frustrada tentativa de invasão pela Baía dos Porcos).

E apesar do caráter imparcial da obra fica impossível não apaixonar-se pela sua figura emblemática que enfatiza a educação de sua tropa com importância tão grande (senão maior) do que sua paixão pela revolução. Assim, os minutos finais da projeção consagram o Che-ícone: após a tomada do poder em Cuba ele nega o direito a um guerrilheiro de visitar sua família, justificando que “o que acabou foi a guerra; a revolução está apenas começando”. Uma outra cena retoma o primeiro encontro com Fidel, quando Che concorda em seguí-lo sob uma única condição: após a vitória em Cuba ele levaria a revolução para o restante da América Latina. Um perfeito retrato do idealista. E também um perfeito preâmbulo para a décadence que podemos esperar ver na segunda parte do projeto - “Che, a Guerrilha.”

domingo, 29 de março de 2009

You wanted the best (?), you got it: Kiss em Sampa

Gene e Paul estarão lá. Eric Sing e Tommy Thayer acompanharão.

Ok, não é o melhor do KISS que poderíamos ver, nem de longe.

Quem dera o dinheiro não tivesse falado tão alto e os chefões ainda tivessem Bruce Kullick na banda. Carnival of Souls foi o mais distante que eles chegaram de sua linha e proposta inicial. Música sombria e pesada, letras maduras, vocais densos. Kulick compondo e assumindo os lead vocais de forma espetacular. Sabe-se lá para onde iriam se não abandonassem esse caminho. Mas decidiram pela reunião e pelo Psycho Circus, e isso possibilitou ao fãs brasileiros um show em 1998 com um set lista maravilhoso, muito próximo de Alive II, e todo o teatro que m show do Kiss pode ofertar: Gene voando e cuspindo sangue, Ace disparando sua guitarra (literalmente) contra a platéia, etc etc. E valeu muito a pena.

Hoje a banda é um eco do que foi. A decisão de continuar com as máscaras após a demissão do baterista e guitarrista beberrões não agradou a quase ninguém. E eu me pergunto: por quê não implorar pela volta de Kubrick para a banda, lavar a maquiagem do rosto e continuar de onde pararam, como se Psycho Circus tivesse sido apenas um devaneio? Coisas de Gene...

Mas todo fã de carteirinha que se preze não pode deixar de assistir. Não tão pertinho de casa, uma vez que isso vem acontecendo em São Paulo a cada dez anos e os patrões da banda (Paul e Gene) já estão chegando na casa dos sessenta anos. Ou seja, muito provavelmente o último por estas terras.

Afinal de contas, foram eles que fizeram com que a adolescência de muitos de nós tivesse sentido com a fórmula basica sex, drugs and rock n´roll - all nite!

quinta-feira, 12 de março de 2009

Long Island Ice Tea


É, sras e srs, este insano editor está iniciando mais uma jornada - a do infinito mundo da coquetelaria. Portanto, posts sobre o assunto poderão tornar-se comum por aqui. Peço a todos os peritos no assunto que os considerem uma fonte a mais de informação, sem a pretensão de ser verdade absoluta. Afinal, “Em um bar não existe certo ou errado, verdade ou mentira. Existe apenas o que fica bom - e o que fica ruim!”. Grande Silas...

E para inaugurar essa nova fase, uma historinha (com receita) de um dos meus favoritos: Long Island Ice Tea.

Durante a famigerada lei seca nos EUA, tendo nascida em 1919 e durado quase 14 anos, a criatividade para burlar a fiscalização deu origem a alguns coquetéis peculiares. Um barman (em Long Island, of course) criou um drink com uma idéia em mente: misturar vários destilados com algo doce para tornar impossível a identificação de qualquer um dos ingredientes da bebida. Assim, juntou Vodka, Tequila, Rum, Gin, Triple Séc, Sweet & Sour (um mix a base de limão e açúcar) e coca-cola num copo longo com bastante gelo. O resultado foi uma bebida doce, refrescante e escura, muito semelhante a um chá gelado, e que portanto poderia ser teoricamente consumida despercebidamente pelas autoridades. Era impossível determinar que tipo de destilado havia na receita. A “senha” para a ilegalidade era pedir um “long island ice tea”. Provavelmente é mentira, concordo. Mas é uma história tão saborosa quanto o cocktail.

À receita, e avante!:

½ oz vodka
½ oz triple séc
½ oz rum
½ oz gin
½ oz tequila
2 oz Sweet & Sour (lime mix)
Top de coca-cola
¼ de limão espremido no copo


É so misturar tudo (óbvio,menos a coca-cola) eu uma coqueteleira e servir com geleo em um copo longo - ou num balde!

Uma razão, uma estação, uma vida


Vivemos em sociedade. Criamos uma rede de relacionamentos humanos complexa, onde fica impossível não depender de outros seres humanos a todo o tempo. Dependemos economicamente, profissionalmente. Dependemos dos outros para nosso conforto, segurança. Para definirmos nossas metas e para alcançá-las. E para aceitar o fracasso dos objetivos perdidos. E acima de tudo dependemos desses relacionamentos para a felicidade. Para sentirmo-nos completos, importante, parte de algo maior. Muitas pessoas entram e saem de nossos mundos ao longo do nosso tempo de vida. De algumas delas sequer lembramos. Sequer reconhecemos que ela por si é um outro mundo, uma outra realidade. Outras, ficam para sempre. Arranham nossa memória, forçam novas conexões cerebrais de forma a imortalizarem-se durante nossa existência. Mesmo que morram. Mesmo que se vão. Estarão conosco até nosso último momento. Mas nem todas marcam de forma igual. Cada uma é uma experiência única. A maior diversidade que existe no mundo é o ser humano, e nosso maior erro é comparar vidas. Comparar corações. Comparar paixões. Mas talvez exista algum padrão. Alguns modelos maiores onde podemos encaixar cada uma dessas pessoas. E a perspectiva pela qual podemos compreender cada uma dessas pessoas não é outra senão a nossa. As pessoas não estão aí para nos servirem. Elas também são pessoas. E são só pessoas. Mas a forma como as recebemos, ou a forma pela qual permitimos seu contato íntimo com nossa vida é o que define seu papel.


Existem aquelas que chegam até nós por uma razão. Porque nosso momento as chama, as procura. Desempenham um papel objetivo e restrito na nossa vida. Preenchem uma lacuna de algo que perdemos. Ajudam a elevar nossa auto-estima após uma desilusão. Juntam nossos cacos. Nos fazem enxergar o horizonte além do desespero. São como anjos que vem quando mais precisamos. E invariavelmente somos injustos com eles. Assim que acabam seu papel, tornam-se dispensáveis. E é claro que eles não tem consciência desse papel – temos sempre que ter em mente que essas pessoas são outros universos tão ricos, complexos e misteriosos como nós mesmos. E nós também estamos desempenhando um papel para elas. O fato é que elas se vão rapidamente, como um free-lancer assim que conclui o serviço contratado. Podem sair machucadas. Cest´la vie.



Existem aquelas que ficam por uma estação. Aquelas a quem não procuramos. Que não vêm completar nada. Não têm a função de preencher nenhum vazio; sequer têm alguma função. Não estão ali para consertar nenhum estrago. Mas mesmo assim, chegam. São pessoas que nos acrescentam muito, fazem crescer. Destroem um pouco de nossa verdade para nos presentear com novas visões. Novas compreensões. E depois se vão. Sem que tenhamos cometido nenhuma falta. Simplesmente vão.


E há aquele tipo mais intenso. Aquele que vem e fica para sempre. Contamina nosso coração com sua essência, grudam em nós como tatuagem. Não diz respeito à nossa vontade mandá-las embora. Às vezes até tentamos com bastante empenho, em vão. Veja bem: ficar por toda a vida não significa ficar próximo fisicamente. Essas pessoas também partem, cedo ou tarde. Por causas amenas, ou após brigas épicas, não importa. Ou até talvez fiquem até que a morte nos separe. O importante é que perto ou não, elas estão juntas a nós todos os dias. Todos os momentos. Seja bom ou seja ruim, não conseguimos deixar de senti-las junto à nós. Nos tornamos, em parte,elas. Roubamos um pouco da essência da qual são feitas. Talvez elas também tenham roubado um pouco da nossa, quem sabe? Depende do papel que desempenhamos no momento da história em comum.Percebemos que falamos aqui dos grandes amores, das grandes amizades. E como podemos ser melhores? Entendendo os papéis que as pessoas representam para nós, e os papéis que desempenhamos para os outros. Deixando partir quem quer partir. Partindo quando se deve partir. Respeitando quem dividiu conosco sua alma. Quem um dia nos amou, ou quem um dia foi por nós amado. Lembrando que, acima de qualquer papel, as pessoas são só...as pessoas!



terça-feira, 3 de março de 2009

Full Circle


Todo início é um fim de um começo anterior.
Só isso por hoje.

domingo, 1 de março de 2009

O faminto de Schrödinger e o bandeijão



Voltavam eu mais alguns colegas, do refeitório da empresa. Esta, como percebe-se, não pagava refeição, e em troca oferecia um restaurante gratuito aos funcionários, cuja comida era motivo de chacota entre a grande maioria deles. Recebia o apelido pejorativo de "bandeijão". Não que fosse ruim: tínhamos uma grande variedade de pratos quentes, frios e sobremesas. Quatro tipos de sucos, todos com versão sem açúcar e duas máquinas de refrigerantes. Mas a comida era balanceada, sem muito tempero, óleo ou sal, o que lhe conferia aquele aspecto de refeição de hospital, e que com o tempo realmente enjoava.


Voltemos ao fato: quase na esquina da empresa, perdido em meio às risadinhas e deboches sobre o terrível almoço que acabáramos de engolir, deparamo-nos com uma cena doentia. Uma pessoa – um ser humano! – jazia deitado, largado em meio ao passeio público, a poucos metros da esquina da Av. Paulista com a Rua Augusta (um contraste e tanto). Seus aspecto era degradante, com todas aquelas roupas sujas e rasgadas, todos aqueles pêlos e cabelos longos e desgrenhados, aquele odor fétido de quem não sabe o que é um banho há dias. As costelas rasgavam-lhe a pele, denunciando a ausência total de qualquer refeição digna há outros tantos. Sua cabeça estava voltada para o alto, mas seus olhos abertos fitavam algum ponto perdido no infinito. Não estou certo de que qualquer um dos outros que vinham comigo, ou mesmo qualquer um dos transeuntes que quase tropeçavam em seu corpo tivessem tomado a mesma nota, mas a imagem daquele homem me congelou a alma, e estanquei meus olhos nos dele por alguns instantes. Sua imobilidade total tornava incerta a vida em seu corpo. De alguma forma foram instantes em que aquele corpo ali, à minha frente, poderia muito bem estar vivo ou morto. Era impossível afirmar, mesmo a pouquíssimos metros. Um gato de Schrödinger. Ao fim daqueles segundos eternos ele piscou. Respirei aliviado. Estava vivo, afinal. Faminto, sujo, renegado a uma situação indigna, símbolo do contraste das diferenças sociais de nosso país. Um moribundo decadente na esquina mais cara do coração financeiro da América Latina.


Nós? Bem, nos seguimos nosso rumo, afrouxando a gravata por conta do calor e reclamando da nossa pouca sorte. Tínhamos como única opção de almoço as várias opções sem sabor do restaurante da empresa.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

O Jogo da Vida

Não, realmente não pretendia falar do célebre jogo de tabuleiro da estrela.
Mas ele me veio à cabeça. E à sua, também, leitor, se tiver entre 25 e 35 anos. É um ícone de nossa infância, inevitável.

Queria era falar daquele momento em que muitos de nós refletimos sobre a própria trajetória no mundo, comparando-a a um grande jogo. Sem recorrer a argumentos filosóficos ou religiosos para debater a existência humana, o propósito da vida, blá, blá, blá, blá, blá, blá. Quero apenas ver a vida como um jogo, assim como você certamente já o fez, um dia. Sem grandes pretensões. Vou por partes.

Desde muito cedo aprendemos a magia da simulação. E passamos boa parte da infância usando o quintal dos avós como palco para o ensaio geral da vida. Fingimos ser médicos, astronautas, detetives, pilotos de caça. Talvez no fundo a gente saiba que não vai ser nada disso (a maioria não vai). Dá pra sacar quando a mãe chama para o banho, e vemos nosso pai-herói chegando em casa cansado, esbaforido, reclamando e xingando as pequenas infelicidades do seu dia no escritório, enquanto afrouxa a gravata.

A primeira grande “virada” no jogo vem com a enxurrada de hormônios da puberdade. É quando trocamos a simulação da fantasia pela representação da realidade que pretendemos. Aprendamos rápido que existem muito mais regras, normas e condutas sociais regendo as leis das relações sexuais do que supõe nosso vão instinto animal. Essa conversa de feromônios, odores e fluídos hormonais compatíveis pode ser muito boa para os animais. Para meu gato, por exemplo. Para os pobres adolescentes humanos é preciso muito mais. É preciso ser cool. Por isso passamos a mudar penteados, escolher roupas, músicas, amigos e costumes com o objetivo de adequarmo-nos a um grupo, a uma tribo; para termos uma identidade que nos dê status o suficiente para conseguirmos um passe livre para o coração da garota desejada (ou para sua cama). O jogo se torna complexo: a competição fica acirrada. Os prêmios, tentadores; as derrotas, amargas. Uma curiosidade sobre o joguinho de tabuleiro: suas regras permitem casar-se uma única vez, com a única mulher que se tromba em todo o circuito daquela vidinha mais-ou-menos, que é narrada pela trama (cansada, por sinal). Mas dá pra ter quantos filhos a sorte lhe presentear. Fico pasmo com o ano em que ele foi criado: 1992! Terá sido ingenuidade ou sarcasmo?

A segunda virada vem com a fase adulta. Contas, carnês, emprego, faculdade, filhos, celulite. E tudo parecer ser comandado pelas misteriosas roleta e cartas invisíveis. Só que consciência de que estamos jogando fica cada vez menor. Quase não temos tempo para isso. Até que chega uma madrugada à toa e nos pegamos refletindo sobre o tema, na varanda, com um cigarro pela metade e um copo de uísque. Falando em reflexões, outra curiosidade sobre a versão lúdica do jogo: quando o jogador “abre falência” é condenado miseravelmente a se aposentar em uma fazendo como...filósofo (!!!). Ótima orientação para as crianças a partir de 8 anos: pensar demais empobrece. Triste, mas assim funciona a vida real.

E o que concluímos? O leitor, ainda não sei. Talvez possa apreciar sua resposta nos comentários desse post. Eu percebi uma coisa muito clara: quanto mais a sério pretendemos levar o jogo da vida, mais difíceis ficam as regras. Portanto, decido que de agora em diante nem todas as minhas partidas serão jogadas com tanto medo de errar. Paixão e seriedade pra valer, só naquilo que for essencial mesmo, que não dá pra ser de outra forma. Para tudo o mais, acabo de adotar um botão do pânico no meu tabuleiro. Fica entre a roleta e o montinho das cartas de riqueza: é vermelho, grande, e deve ser acionado todas as vezes em que tudo parece perdido. Nele está escrito, em caixa alta e negrito: FODA-SE!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Bancários protestam na Av. Paulista

O protesto ocorreu da seguinte forma: todos vestindo preto, carregando cruzes que simbolizavam as vítimas das demissões de janeiro do Santander, e distribuindo flores aos transeuntes, sem interferir no trânsito.
Que beleza, não? Tenho certeza de que agora os bancos vão entender a mensagem e refletir sobre sua política empregatícia e responsabilidade social.

O que esse povo tem, que só vê festa, festa, festa, em tudo, até na desgraça? Porque sempre temos que fazer protestos vestindo fantasias, seguindo trios elétricos e pintando a cara?

Há quem defenda a não-violência nos protestos. Para esses, digo ser necessário redefinirmos o conceito de violência: nosso governo espera que o cidadão sobreviva com o salário de R$465,00 (janeiro 2009) que devem ser suficientes para arcar com seus direitos constitucionais: moradia, alimentação, transporte, sáude, educação, cultura. Isso não é violência o suficiente? “Não, não é violência física” – responderão a maioria. E não é violência FÍSICA exigir do trabalhador uma jornada diária de nove horas, cinco ou seis dias na semana, e esperar que ele tenha uma vida digna com QUATROCENTOS E SESSENTA E CINCO REAIS?

Se isso já não basta pra caracterizar a violência, podemos citar o salário, por exemplo, de um deputado. Dezesseis mil reais. Mas com todas as regalias, verba para isso, auxílio para aquilo, um deputado federal custa em média R$98.728,00 mensais para os cofres públicos. Exatamente isso: para o SEU dinheiro. (fonte http://super.abril.com.br/superarquivo/2007/conteudo_514168.shtml).

Só para lembrar, nos meses de agosto e setembro passados (por ocasião das eleições) eles trabalharam (nos dois meses somados) a incrível jornada de seis dias! Vou repetir: seis dias em sessenta. Quase a mesma quantidade das minhas folgas remuneradas no período, ganhando doze vezes mais.

Os protestantes de hoje que me desculpem, mas foram a bola da vez por estarem na mídia. Minha bronca aqui não com a inocência e ingenuidade de suas ações estapafúrdias e patetas. É com o incrível senso comum de que os protestos pacíficos e não violentos funcionam para alguma coisa.

Quando nossa gente vai entender que somos vítimas diária de uma violência sem limites?
E que "pintar a cara" e "usar fantasia" é coisa de palhaço?