Voltavam eu mais alguns colegas, do refeitório da empresa. Esta, como percebe-se, não pagava refeição, e em troca oferecia um restaurante gratuito aos funcionários, cuja comida era motivo de chacota entre a grande maioria deles. Recebia o apelido pejorativo de "bandeijão". Não que fosse ruim: tínhamos uma grande variedade de pratos quentes, frios e sobremesas. Quatro tipos de sucos, todos com versão sem açúcar e duas máquinas de refrigerantes. Mas a comida era balanceada, sem muito tempero, óleo ou sal, o que lhe conferia aquele aspecto de refeição de hospital, e que com o tempo realmente enjoava.
Voltemos ao fato: quase na esquina da empresa, perdido em meio às risadinhas e deboches sobre o terrível almoço que acabáramos de engolir, deparamo-nos com uma cena doentia. Uma pessoa – um ser humano! – jazia deitado, largado em meio ao passeio público, a poucos metros da esquina da Av. Paulista com a Rua Augusta (um contraste e tanto). Seus aspecto era degradante, com todas aquelas roupas sujas e rasgadas, todos aqueles pêlos e cabelos longos e desgrenhados, aquele odor fétido de quem não sabe o que é um banho há dias. As costelas rasgavam-lhe a pele, denunciando a ausência total de qualquer refeição digna há outros tantos. Sua cabeça estava voltada para o alto, mas seus olhos abertos fitavam algum ponto perdido no infinito. Não estou certo de que qualquer um dos outros que vinham comigo, ou mesmo qualquer um dos transeuntes que quase tropeçavam em seu corpo tivessem tomado a mesma nota, mas a imagem daquele homem me congelou a alma, e estanquei meus olhos nos dele por alguns instantes. Sua imobilidade total tornava incerta a vida em seu corpo. De alguma forma foram instantes em que aquele corpo ali, à minha frente, poderia muito bem estar vivo ou morto. Era impossível afirmar, mesmo a pouquíssimos metros. Um gato de Schrödinger. Ao fim daqueles segundos eternos ele piscou. Respirei aliviado. Estava vivo, afinal. Faminto, sujo, renegado a uma situação indigna, símbolo do contraste das diferenças sociais de nosso país. Um moribundo decadente na esquina mais cara do coração financeiro da América Latina.
Nós? Bem, nos seguimos nosso rumo, afrouxando a gravata por conta do calor e reclamando da nossa pouca sorte. Tínhamos como única opção de almoço as várias opções sem sabor do restaurante da empresa.
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