Longe de retratá-lo como um Rambo latino-americano (o que favoreceria um possível e superficial filme de ação pautado nos conflitos de Sierra Maestra) ou de mitificar uma imagem cristã estapafúrdia de liderança popular, Soderbergh e Benício criam um retrato único e superficial do argentino. Vemos Ernesto Guevara como alguém que decide se aliar a Fidel não por ser naturalmente inclinado à violência, mas por amor e ódio. O primeiro, aos camponeses oprimidos pela cruel política econômica norte-americana imposta a toda a América Latina. O segundo, pelo imperialismo dos Estados Unidos que patrocina a opressão do governo ditatorial de Fulgêncio Batista.
Soderbergh (e Benício, que também é co-produtor) deixam claro que não pretendem “compreender” a mente de Che. Assim, o personagem é retratado sempre de forma distante (apesar de presente em quase todas as cenas) e humanizado: vemos um Che asmático com dificuldades em acompanhar seus guerrilheiros, e sensivelmente mais violento e menos carismático que seu amigo Fidel - existe uma cena em que Che comanda a execução de dois desertores de forma fria e impiedosa, que por si já justifica e consagra sua imagem de líder militar respeitado e temido. Mas não há maquineísmo - Che não é nenhum santo milagreiro, tão pouco o Belzebu que pinta a extrema direita política até hoje (alguém aí pensou na revista Veja?)
Alternando a narrativa entre basicamente 3 períodos históricos sem preocupar-se em criar uma cronologia ou uma razão óbvia para essas alternâncias, o filme privilegia o aspecto de documentário que assume: vemos como o médico Ernesto conheceu o militante Fidel em um jantar com amigos – e seus planos iniciais sobre a revolução; os conflitos armados em Sierra Maestra culminando com a tomada do poder; e a participação marcante do personagem como ministro das finanças de Cuba em uma conferência da ONU.
Essa primeira parte do projeto retrata nitidamente a ascensão de Che, desde o médico idealista até a figura política notória e destemida (destaque para uma deliciosa cena onde o ministro Che provoca o senador McCarthy em uma festa, agradecendo-o em nome de toda a revolução pela frustrada tentativa de invasão pela Baía dos Porcos).
E apesar do caráter imparcial da obra fica impossível não apaixonar-se pela sua figura emblemática que enfatiza a educação de sua tropa com importância tão grande (senão maior) do que sua paixão pela revolução. Assim, os minutos finais da projeção consagram o Che-ícone: após a tomada do poder em Cuba ele nega o direito a um guerrilheiro de visitar sua família, justificando que “o que acabou foi a guerra; a revolução está apenas começando”. Uma outra cena retoma o primeiro encontro com Fidel, quando Che concorda em seguí-lo sob uma única condição: após a vitória em Cuba ele levaria a revolução para o restante da América Latina. Um perfeito retrato do idealista. E também um perfeito preâmbulo para a décadence que podemos esperar ver na segunda parte do projeto - “Che, a Guerrilha.”