terça-feira, 31 de março de 2009

Che, o argentino



Ainda nos soa incrível que um cineasta do porte de Steven Soderbergh (já premiado pela academia como melhor diretor pelo ótimo trabalho anterior também com Benício Del Toro, Traffic) possa produzir uma obra sobre a revolução cubana tão aberta e imparcial como Che, o Argentino. Alguns anos atrás isso seria talvez inviável sob o auge do reinado de terror de Mr. Bush.

Longe de retratá-lo como um Rambo latino-americano (o que favoreceria um possível e superficial filme de ação pautado nos conflitos de Sierra Maestra) ou de mitificar uma imagem cristã estapafúrdia de liderança popular, Soderbergh e Benício criam um retrato único e superficial do argentino. Vemos Ernesto Guevara como alguém que decide se aliar a Fidel não por ser naturalmente inclinado à violência, mas por amor e ódio. O primeiro, aos camponeses oprimidos pela cruel política econômica norte-americana imposta a toda a América Latina. O segundo, pelo imperialismo dos Estados Unidos que patrocina a opressão do governo ditatorial de Fulgêncio Batista.

Soderbergh (e Benício, que também é co-produtor) deixam claro que não pretendem “compreender” a mente de Che. Assim, o personagem é retratado sempre de forma distante (apesar de presente em quase todas as cenas) e humanizado: vemos um Che asmático com dificuldades em acompanhar seus guerrilheiros, e sensivelmente mais violento e menos carismático que seu amigo Fidel - existe uma cena em que Che comanda a execução de dois desertores de forma fria e impiedosa, que por si já justifica e consagra sua imagem de líder militar respeitado e temido. Mas não há maquineísmo - Che não é nenhum santo milagreiro, tão pouco o Belzebu que pinta a extrema direita política até hoje (alguém aí pensou na revista Veja?)

Alternando a narrativa entre basicamente 3 períodos históricos sem preocupar-se em criar uma cronologia ou uma razão óbvia para essas alternâncias, o filme privilegia o aspecto de documentário que assume: vemos como o médico Ernesto conheceu o militante Fidel em um jantar com amigos – e seus planos iniciais sobre a revolução; os conflitos armados em Sierra Maestra culminando com a tomada do poder; e a participação marcante do personagem como ministro das finanças de Cuba em uma conferência da ONU.

Essa primeira parte do projeto retrata nitidamente a ascensão de Che, desde o médico idealista até a figura política notória e destemida (destaque para uma deliciosa cena onde o ministro Che provoca o senador McCarthy em uma festa, agradecendo-o em nome de toda a revolução pela frustrada tentativa de invasão pela Baía dos Porcos).

E apesar do caráter imparcial da obra fica impossível não apaixonar-se pela sua figura emblemática que enfatiza a educação de sua tropa com importância tão grande (senão maior) do que sua paixão pela revolução. Assim, os minutos finais da projeção consagram o Che-ícone: após a tomada do poder em Cuba ele nega o direito a um guerrilheiro de visitar sua família, justificando que “o que acabou foi a guerra; a revolução está apenas começando”. Uma outra cena retoma o primeiro encontro com Fidel, quando Che concorda em seguí-lo sob uma única condição: após a vitória em Cuba ele levaria a revolução para o restante da América Latina. Um perfeito retrato do idealista. E também um perfeito preâmbulo para a décadence que podemos esperar ver na segunda parte do projeto - “Che, a Guerrilha.”

domingo, 29 de março de 2009

You wanted the best (?), you got it: Kiss em Sampa

Gene e Paul estarão lá. Eric Sing e Tommy Thayer acompanharão.

Ok, não é o melhor do KISS que poderíamos ver, nem de longe.

Quem dera o dinheiro não tivesse falado tão alto e os chefões ainda tivessem Bruce Kullick na banda. Carnival of Souls foi o mais distante que eles chegaram de sua linha e proposta inicial. Música sombria e pesada, letras maduras, vocais densos. Kulick compondo e assumindo os lead vocais de forma espetacular. Sabe-se lá para onde iriam se não abandonassem esse caminho. Mas decidiram pela reunião e pelo Psycho Circus, e isso possibilitou ao fãs brasileiros um show em 1998 com um set lista maravilhoso, muito próximo de Alive II, e todo o teatro que m show do Kiss pode ofertar: Gene voando e cuspindo sangue, Ace disparando sua guitarra (literalmente) contra a platéia, etc etc. E valeu muito a pena.

Hoje a banda é um eco do que foi. A decisão de continuar com as máscaras após a demissão do baterista e guitarrista beberrões não agradou a quase ninguém. E eu me pergunto: por quê não implorar pela volta de Kubrick para a banda, lavar a maquiagem do rosto e continuar de onde pararam, como se Psycho Circus tivesse sido apenas um devaneio? Coisas de Gene...

Mas todo fã de carteirinha que se preze não pode deixar de assistir. Não tão pertinho de casa, uma vez que isso vem acontecendo em São Paulo a cada dez anos e os patrões da banda (Paul e Gene) já estão chegando na casa dos sessenta anos. Ou seja, muito provavelmente o último por estas terras.

Afinal de contas, foram eles que fizeram com que a adolescência de muitos de nós tivesse sentido com a fórmula basica sex, drugs and rock n´roll - all nite!

quinta-feira, 12 de março de 2009

Long Island Ice Tea


É, sras e srs, este insano editor está iniciando mais uma jornada - a do infinito mundo da coquetelaria. Portanto, posts sobre o assunto poderão tornar-se comum por aqui. Peço a todos os peritos no assunto que os considerem uma fonte a mais de informação, sem a pretensão de ser verdade absoluta. Afinal, “Em um bar não existe certo ou errado, verdade ou mentira. Existe apenas o que fica bom - e o que fica ruim!”. Grande Silas...

E para inaugurar essa nova fase, uma historinha (com receita) de um dos meus favoritos: Long Island Ice Tea.

Durante a famigerada lei seca nos EUA, tendo nascida em 1919 e durado quase 14 anos, a criatividade para burlar a fiscalização deu origem a alguns coquetéis peculiares. Um barman (em Long Island, of course) criou um drink com uma idéia em mente: misturar vários destilados com algo doce para tornar impossível a identificação de qualquer um dos ingredientes da bebida. Assim, juntou Vodka, Tequila, Rum, Gin, Triple Séc, Sweet & Sour (um mix a base de limão e açúcar) e coca-cola num copo longo com bastante gelo. O resultado foi uma bebida doce, refrescante e escura, muito semelhante a um chá gelado, e que portanto poderia ser teoricamente consumida despercebidamente pelas autoridades. Era impossível determinar que tipo de destilado havia na receita. A “senha” para a ilegalidade era pedir um “long island ice tea”. Provavelmente é mentira, concordo. Mas é uma história tão saborosa quanto o cocktail.

À receita, e avante!:

½ oz vodka
½ oz triple séc
½ oz rum
½ oz gin
½ oz tequila
2 oz Sweet & Sour (lime mix)
Top de coca-cola
¼ de limão espremido no copo


É so misturar tudo (óbvio,menos a coca-cola) eu uma coqueteleira e servir com geleo em um copo longo - ou num balde!

Uma razão, uma estação, uma vida


Vivemos em sociedade. Criamos uma rede de relacionamentos humanos complexa, onde fica impossível não depender de outros seres humanos a todo o tempo. Dependemos economicamente, profissionalmente. Dependemos dos outros para nosso conforto, segurança. Para definirmos nossas metas e para alcançá-las. E para aceitar o fracasso dos objetivos perdidos. E acima de tudo dependemos desses relacionamentos para a felicidade. Para sentirmo-nos completos, importante, parte de algo maior. Muitas pessoas entram e saem de nossos mundos ao longo do nosso tempo de vida. De algumas delas sequer lembramos. Sequer reconhecemos que ela por si é um outro mundo, uma outra realidade. Outras, ficam para sempre. Arranham nossa memória, forçam novas conexões cerebrais de forma a imortalizarem-se durante nossa existência. Mesmo que morram. Mesmo que se vão. Estarão conosco até nosso último momento. Mas nem todas marcam de forma igual. Cada uma é uma experiência única. A maior diversidade que existe no mundo é o ser humano, e nosso maior erro é comparar vidas. Comparar corações. Comparar paixões. Mas talvez exista algum padrão. Alguns modelos maiores onde podemos encaixar cada uma dessas pessoas. E a perspectiva pela qual podemos compreender cada uma dessas pessoas não é outra senão a nossa. As pessoas não estão aí para nos servirem. Elas também são pessoas. E são só pessoas. Mas a forma como as recebemos, ou a forma pela qual permitimos seu contato íntimo com nossa vida é o que define seu papel.


Existem aquelas que chegam até nós por uma razão. Porque nosso momento as chama, as procura. Desempenham um papel objetivo e restrito na nossa vida. Preenchem uma lacuna de algo que perdemos. Ajudam a elevar nossa auto-estima após uma desilusão. Juntam nossos cacos. Nos fazem enxergar o horizonte além do desespero. São como anjos que vem quando mais precisamos. E invariavelmente somos injustos com eles. Assim que acabam seu papel, tornam-se dispensáveis. E é claro que eles não tem consciência desse papel – temos sempre que ter em mente que essas pessoas são outros universos tão ricos, complexos e misteriosos como nós mesmos. E nós também estamos desempenhando um papel para elas. O fato é que elas se vão rapidamente, como um free-lancer assim que conclui o serviço contratado. Podem sair machucadas. Cest´la vie.



Existem aquelas que ficam por uma estação. Aquelas a quem não procuramos. Que não vêm completar nada. Não têm a função de preencher nenhum vazio; sequer têm alguma função. Não estão ali para consertar nenhum estrago. Mas mesmo assim, chegam. São pessoas que nos acrescentam muito, fazem crescer. Destroem um pouco de nossa verdade para nos presentear com novas visões. Novas compreensões. E depois se vão. Sem que tenhamos cometido nenhuma falta. Simplesmente vão.


E há aquele tipo mais intenso. Aquele que vem e fica para sempre. Contamina nosso coração com sua essência, grudam em nós como tatuagem. Não diz respeito à nossa vontade mandá-las embora. Às vezes até tentamos com bastante empenho, em vão. Veja bem: ficar por toda a vida não significa ficar próximo fisicamente. Essas pessoas também partem, cedo ou tarde. Por causas amenas, ou após brigas épicas, não importa. Ou até talvez fiquem até que a morte nos separe. O importante é que perto ou não, elas estão juntas a nós todos os dias. Todos os momentos. Seja bom ou seja ruim, não conseguimos deixar de senti-las junto à nós. Nos tornamos, em parte,elas. Roubamos um pouco da essência da qual são feitas. Talvez elas também tenham roubado um pouco da nossa, quem sabe? Depende do papel que desempenhamos no momento da história em comum.Percebemos que falamos aqui dos grandes amores, das grandes amizades. E como podemos ser melhores? Entendendo os papéis que as pessoas representam para nós, e os papéis que desempenhamos para os outros. Deixando partir quem quer partir. Partindo quando se deve partir. Respeitando quem dividiu conosco sua alma. Quem um dia nos amou, ou quem um dia foi por nós amado. Lembrando que, acima de qualquer papel, as pessoas são só...as pessoas!



terça-feira, 3 de março de 2009

Full Circle


Todo início é um fim de um começo anterior.
Só isso por hoje.

domingo, 1 de março de 2009

O faminto de Schrödinger e o bandeijão



Voltavam eu mais alguns colegas, do refeitório da empresa. Esta, como percebe-se, não pagava refeição, e em troca oferecia um restaurante gratuito aos funcionários, cuja comida era motivo de chacota entre a grande maioria deles. Recebia o apelido pejorativo de "bandeijão". Não que fosse ruim: tínhamos uma grande variedade de pratos quentes, frios e sobremesas. Quatro tipos de sucos, todos com versão sem açúcar e duas máquinas de refrigerantes. Mas a comida era balanceada, sem muito tempero, óleo ou sal, o que lhe conferia aquele aspecto de refeição de hospital, e que com o tempo realmente enjoava.


Voltemos ao fato: quase na esquina da empresa, perdido em meio às risadinhas e deboches sobre o terrível almoço que acabáramos de engolir, deparamo-nos com uma cena doentia. Uma pessoa – um ser humano! – jazia deitado, largado em meio ao passeio público, a poucos metros da esquina da Av. Paulista com a Rua Augusta (um contraste e tanto). Seus aspecto era degradante, com todas aquelas roupas sujas e rasgadas, todos aqueles pêlos e cabelos longos e desgrenhados, aquele odor fétido de quem não sabe o que é um banho há dias. As costelas rasgavam-lhe a pele, denunciando a ausência total de qualquer refeição digna há outros tantos. Sua cabeça estava voltada para o alto, mas seus olhos abertos fitavam algum ponto perdido no infinito. Não estou certo de que qualquer um dos outros que vinham comigo, ou mesmo qualquer um dos transeuntes que quase tropeçavam em seu corpo tivessem tomado a mesma nota, mas a imagem daquele homem me congelou a alma, e estanquei meus olhos nos dele por alguns instantes. Sua imobilidade total tornava incerta a vida em seu corpo. De alguma forma foram instantes em que aquele corpo ali, à minha frente, poderia muito bem estar vivo ou morto. Era impossível afirmar, mesmo a pouquíssimos metros. Um gato de Schrödinger. Ao fim daqueles segundos eternos ele piscou. Respirei aliviado. Estava vivo, afinal. Faminto, sujo, renegado a uma situação indigna, símbolo do contraste das diferenças sociais de nosso país. Um moribundo decadente na esquina mais cara do coração financeiro da América Latina.


Nós? Bem, nos seguimos nosso rumo, afrouxando a gravata por conta do calor e reclamando da nossa pouca sorte. Tínhamos como única opção de almoço as várias opções sem sabor do restaurante da empresa.